Este é o quarto e último artigo de Victor Serge, publicado em La Révolution prolétarienne (em 25 de outubro de 1938), em sua polêmica pública com Trotsky sobre o massacre de Kronstadt, que se iniciou um anos antes, em setembro de 1937.
Veja também:
Kronstadt (Révolução Prolétarienne, 10 de setembro de 1937)
Os escritos e os fatos (La Révolution prolétarienne, 25 de outubro de 1937)
Sobre Kronstadt em 1921 e alguns outros assuntos (La Révolution prolétarienne, 25 de agosto de 1938)
Victor Serge e o totalitarismo stalinista (Vídeo em Subversivídeos sobre Victor Serge)
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Soldados do Exército Vermelho camuflados de branco para facilitar, sobre o gelo, o massacre dos insurrectos de Kronstadt. |
Em uma nota publicada na América, em fim de julho, Leon
Trotsky finalmente explicou suas responsabilidades no episódio de Kronstadt. As
responsabilidades políticas, como ele sempre afirmou, são do Comitê Central do
PC Russo que tomou a decisão de "conter a rebelião pela força das armas se
a fortaleza não pudesse ser levada a se render, de início por negociações
pacíficas, em seguida por um ultimato”. Trotsky acrescenta: “Eu nunca falei
dessa questão, não porque eu tenho qualquer coisa a esconder, mas, ao contrário,
precisamente porque não tenho nada a dizer... Eu, pessoalmente, não participei em nada do esmagamento da rebelião nem
das repressões que seguiram”.
Trotsky lembra que diferenças o separavam desde então de
Zinoviev, o presidente do Soviet de Petrogrado. “Eu permaneci”, escreve ele, “completamente
e demonstrativamente à parte desse assunto”. Cabe em história distinguir
entre as responsabilidades políticas gerais e as responsabilidades pessoais
imediatas. [Rodapé: Como alguns dos
ataques aos quais faço alusão vêm da imprensa anarquista, que me seja permitido
aqui definir meu pensamento com a ajuda de um exemplo recente: os camaradas do P.O.U.M.
e da C.N.T., tendo sido perseguidos e impunemente assassinados na República
espanhola, quando a C.N.T. participa em diversos níveis do governo burguês, a C.N.T.
tem evidentemente parte da responsabilidade política de seus crimes [da
República espanhola] contra o movimento operário. Contudo, seria injusto tornar seus dirigentes pessoalmente
responsáveis. (V. Serge)].
“Eu não sei”, escreve ainda Trotsky, “se houve vítimas inúteis.
Eu acredito mais em Dzerzhinski do que em seus críticos tardios... As
conclusões de Victor Serge – de terceira mão – são destituídas de valor aos
meus olhos...” As de Dzerzhisnki são de sétima ou nona mão, pois o chefe da Tcheka
não veio a Petrogrado nessa época e ele mesmo foi informado somente por uma via
hierárquica sobre a qual haveria muito a dizer (e Trotsky o sabe melhor do que
ninguém). Morando em Petrogrado, eu vivia entre os dirigentes da cidade. Eu sei
por testemunhos oculares o que foi a repressão. Eu visitava na prisão da Chpalernaya
camaradas anarquistas, aprisionados além disso a despeito de todo bom senso,
que viam partir vencidos de Kronstadt a cada noite pelo polígono [n.t.: referência
à forma do prédio de frente da prisão militar, por onde os presos saiam com
destino à execução]. A repressão foi atroz, eu o repito. Segundo historiadores
soviéticos, Kronstadt insurrecto dispusera em torno de 16 mil combatentes. Alguns
milhares conseguiram chegar à Finlândia pelo gelo. Os outros, às centenas, mais
verossímil aos milhares, foram massacrados no final do combate ou executados em
seguida. Onde estão as estatísticas de Dizerzhinski – e o que elas valem, se é
que as há? Apenas o fato de que um Trotsky, no auge do poder, não tenha tido a necessidade
de se informar com precisão sobre essa repressão a um movimento insurrecional
de trabalhadores, apenas o fato de que um Trotsky não conhecera o que sabem
todos os comunistas da hierarquia: que se tenha cometido por desumanidade um crime inútil contra o proletariado e
os camponeses – apenas esse fato, digo eu, é gravemente significativo.
Com efeito, foi no domínio da repressão que o Comitê Central
do partido bolchevique cometeu desde o início da revolução as faltas mais
graves, as que contribuíram mais perigosamente, de uma parte a burocratizar o
partido e o Estado, de outra a desarmar as massas, mais particularmente os revolucionários.
É hora de se entender isso.
Publicado em Serge, Victor; Trotsky, Leon. La lutte contre le stalinisme: correspondance inédite, articles. Paris : François Maspéro, 1977, p. 221-223. Tradução ao português: Emiliano Aquino.