quinta-feira, 11 de maio de 2023

Tirem seus filhos surdos das escolas de ouvintes!

Foto: O Globo


Esse título parece uma palavra de ordem, mas não é. É um grito angustiado. 

Todos os anos as três escolas que em Fortaleza oferecem educação bilíngue para surdos recebem novos alunos que, aos 12, 13, até mesmo aos 17 anos, nelas chegam sem língua: não falam Libras, não leem nem escrevem o Português. De onde vêm? Das escolas de ouvintes da rede municipal de ensino. (Digo escola de ouvinte, para dizer: escola lusófona; e porque, ao contrário do que diz o discurso oficial, não existe escola comum).

Depois do fenômeno bolsonarista, a maioria de nós já admite que certos discursos preparam – pois a autorizam – a violência. Falar abertamente em se armar e se defender usando essas armas autorizou publicamente a que milhares de pessoas, já na campanha eleitoral de 2018, saíssem às ruas com armas. E com elas matassem outras pessoas.

A violência contra os surdos começa quando a Educação Especial – que não é apenas uma modalidade de educação ou uma área de formação e pesquisa, mas uma instituição de controle social, de gestão alienada/exterior de pessoas – dissolve a diferença linguística da pessoa surda no conceito de deficiência.

Hegel dissera, a propósito da Revolução Francesa, que toda tentativa de dar realidade a uma abstração produz violência e terror. Ora, toda a política de Educação Especial assim dita inclusiva se baseia numa abstração: deficiência. Pessoas com atipicidades e diferenças muito distintas entre si são agrupadas num conceito cuja única base é o diagnóstico médico de que lhes falta algo. Assim, os surdos, que foram além da condição médica da surdez (no sentido de ausência de audição) e se constituíram como comunidade linguística, pois suas relações sociais produziram uma língua, são reconduzidos, dessa diferença linguística, à conceituação médica da surdez, da deficiência.

Essa violência conceitual prepara, estimula, legitima todo um conjunto de violências práticas. O resultado é: crianças surdas que devem estar na escola cuja língua não é nem pode ser a sua, nas escolas lusófonas, porque é “com deficiência”; e, portanto, devem estar juntos com todos os outros alunos com deficiência, na escola de ouvintes.

Ora, na verdade, todos os alunos, independente de serem ou não com deficiência, devem estar nas escolas lusófonas se, e apenas se, sua língua for a portuguesa. Mas em educação a diferença surda não se caracteriza pela surdez, como seria em medicina, mas pela especificidade linguística, já que linguagem e língua constituem o terreno no qual o pensamento e a aprendizagem da criança se desenvolvem.

E língua não se a adquire senão vivendo-a, senão em relações sociais práticas mediadas pela linguagem (que é sempre uma determinada língua). Negar à criança surda a possibilidade de conviver com outras crianças surdas é negar-lhe a aquisição espontânea da sua língua. E sem língua, a criança está impedida não apenas de desenvolver o pensamento no sentido do conhecimento e da conceptualização, mas também de sua formação psíquica, pois a linguagem/língua é o lugar no qual nossos desejos, rancores, medos etc. ganham forma simbólica.

E é justamente assim que muitas crianças surdas permanecem até a adolescência, ou além: sem língua, sem desenvolvimento das funções conceituais do pensamento, sem simbolização de suas próprias experiências psíquicas. Professores e gestores não se incomodam com isso, porque creem que são parte da surdez esses atrasos, quando na verdade são próprios à expropriação da língua. O atraso no aprendizado, a impaciência (às vezes, a agressividade), os delírios, a depressão etc. não são determinados pela surdez (pela ausência de audição), mas pela ausência de língua/linguagem.

Por amor a eles, não façam isso com seus filhos! Garantam o direito deles a adquirir uma língua na mesma idade da maioria das crianças. Permitam que eles aprendam, com base na língua adquirida espontaneamente em ambientes escolares propícios a isso, a ler e escrever o Português, talvez não na mesma idade que as crianças ouvintes, mas certamente nas primeiras séries do Ensino Fundamental; e, com Libras e Português escrito, que aprendam os outros conteúdos escolares.

Permitam-lhes a alegria da infância, os erros da adolescência, a experiência e o aprendizado com seus pares surdos. Enfim, tirem seus filhos dessas escolas cuja língua não é a deles e os matriculem em uma das três escolas de surdos (isto é, bilíngues: Libras/Português) que há em Fortaleza. Não há crime maior do que produzir pessoas sem línguas.

Esse artigo foi publicado no blog Segunda Opinião em 02/05/2023. 

Leia também:

O que é mesmo Educação Especial de Surdos?

Os Surdos dialogam sim, em Língua de Sinias


domingo, 7 de maio de 2023

Alegorias de Ednardo

 “Nada parado, nada seguro, nada infinito ou puro”.

Ednardo, Amor de estalo, 1978


Foto: Lugares invisíveis

O sonho de toda cidade é ter seu poeta, porque a vida precisa de palavras nas quais se expresse. O que é verdade para a vida individual, não é menos para a vida coletiva. Por isso, a lírica moderna tanto tematizou a cidade, e talvez até mesmo a tenha tornado seu tema por excelência. A esse respeito, Walter Benjamin defendeu a ideia de que Baudelaire teria constituído a lírica moderna, na experiência europeia dos Oitocentos, por dar palavras ao sentimento de perda da Paris antes vivida e que se desfazia pouco a pouco diante de seus olhos. “A velha Paris não é mais! (Uma cidade / Muda mais rápido, ai, que um coração mortal)”, lamenta-se o poeta na primeira parte de O cisne, abrindo a segunda parte do poema com esta estrofe:

Paris muda! porém minha melancolia
Não!, andaimes, palácios novos, avenidas,
Blocos, para mim tudo vira alegoria,
E mais que as pedras, pesam lembranças queridas.

É a cidade que substitui, como figura poética, a mulher amada do romantismo, introduzindo na lírica moderna um elemento radicalmente novo, histórico e social, que é a experiência da mutabilidade e da perecibilidade de todas as coisas. “Tudo o que é sólido desmancha no ar…” Ao invés do suposto repouso confortável da natureza ou da ideia de perda de alguma existência ideal, a moderna lírica – como a baudelariana – canta a perda do que nunca foi ideal ou em repouso, fazendo confrontar ao presente seu próprio passado, talvez para lembrá-lo que ele não é eterno.

Tudo isso me lembra Ednardo, e o lado ruim dessa lembrança é que talvez possa passar a ideia de que eu escute e leia o poeta de Fortaleza tomando como seu modelo o poeta de Paris. Não é isso, mas não deixa de chamar minha atenção o fato de ele, a partir de nossas próprias experiências musical, literária e social, se encontrar espontaneamente, desde seus primeiros discos solo, com o mais moderno dos temas líricos: a cidade moderna. Em Longarinas (O berro, 1976), por exemplo, em cujo início (“Faz muito tempo que eu não vejo / O verde daquele mar quebrar”) a gente poderia aguardar o tema romântico dos “verdes mares bravios de minha terra natal”, o poema se encaminha imediatamente, no entanto, para a cidade e sua caducidade: “Nas longarinas da ponte velha / Que ainda não caiu”. Alguns versos depois, aparecem aqueles carregados de uma universalidade só possível na inscrição de uma experiência poética da cidade que, “ai, muda mais rápido do que o coração de um mortal”:

Uma a uma, coisas vão sumindo
Uma a uma, se desmilinguindo
Só eu e a ponte velha teimam resistindo

As longarinas, a ponte velha, são o moderno, o citadino, e, ao mesmo tempo, o antigo na e da cidade moderna, onde, “uma a uma, as coisas vão desmilinguindo”. Se Baudelaire diz que o coração do mortal muda menos rápido do que sua cidade amada, daí que sua melancolia não mude, Ednardo canta, no mesmo sentido, que só ele “e a ponte velha teimam resistindo”. Em ambos os casos, sob o olhar alegórico do poeta, a “cidade tomada por constante movimentação se paralisa” (Benjamin). A ponte velha e suas longarinas são as alegorias de uma cidade que, impulsionada por um desenvolvimento econômico irrefreável, muda e, ao mesmo tempo, em pequenos traços, permanece a mesma; e permanece a mesma junto do poeta, que, tomando-as como alegorias do que subsiste ao movimento da economia, canta a resistência das longarinas contra as quebradas das ondas do mar.

Como uma força da natureza, todas as coisas vão desaparecendo, numa cidade que muda rapidamente, acompanhando o desenvolvimento econômico dependente e baseado no endividamento externo do Estado, que, assim, pode dar toda sorte de incentivos e subsídios ao capital durante a ditadura; e endividamento, do mesmo modo, dos consumidores, ampliando o consumo e, portanto, incentivando do outro lado a industrialização e a ampliação dos chamados serviços. O capital se concentra, graças à política de arrocho salarial, se expande, graças aos incentivos estatais, ao mesmo tempo em que as cidades incham, com a mudança do seu perfil demográfico, este cada vez mais urbano; e não apenas graças à capacidade de atração do mercado de trabalho das áreas urbanas, em processo de industrialização e de ampliação do setor de serviços, mas em grande parte em virtude da expulsão do campo, devido à concentração da terra (que, ao contrário do que se imaginou durante décadas, em nada impede a industrialização brasileira). É assim que a modernização conservadora durante a ditadura consolida as relações capitalistas, com a força de um fenômeno natural.  O desenvolvimento econômico, uma força natural: “E o mar engolindo lindo”, do mesmo jeito que se vê o “verde daquele mar quebrar / Nas longarinas da ponte velha”.

Em Ednardo, porém, o tema da cidade moderna se entrecruza com outro secular tema lírico-poético, o do exílio da terra pátria (que ganhou acolhida entre nós pelo menos desde o romantismo rebelde de Gonçalves Dias). Ainda que o tema seja universal, é bem particular nosso (digo: dos cearenses, dos nordestinos), com o êxodo de nossos antepassados para o Sudeste, em busca de trabalho, dadas as condições sociais aqui existentes de desenvolvimento das secas (sim, já que o problema nunca foi o fenômeno natural das secas, mas as condições sociais dominantes…). A nova geração de poetas, músicos e intérpretes cearenses, que, nos anos 1970, iam ao Rio ou São Paulo tentar fazer carreira artística, sabia que estava repetindo a experiência de todos os que, antes e então, foram expulsos daqui pelo latifúndio e que, sem meios de produção, iam ao Sul à cata de lá dar uso a seus talentos.

Carneiro, do multicriador Augusto Pontes, “é a mais emblemática desse contexto”, disse uma vez Nirton Venâncio. “Amanhã se der o carneiro / O carneiro / Vou m’imbora daqui pro Rio de Janeiro / As coisas vêm de lá / Eu mesmo vou buscar”. Gravada em 1974 por Ednardo (em seu primeiro disco solo, O romance do Pavão Mysteriozo), essa música lembra a concentração dos meios fonográficos (gravadoras), de divulgação (TV, rádios, revistas) e de distribuição no Rio e em São Paulo, daí a necessidade de se ir para lá: e se as coisas vêm de lá, eu mesmo vou buscar. No Pessoal do Ceará, de 1973, cuja gravação Ednardo dividiu com Teti e Rodger Rogério, Ingazeira antecipa o tema: “O Sul, a sorte, a estrada me seduz / É ouro, é ouro em pó que reluz”. No mesmo disco, o poeta se apresenta ao público “de lá” em Terral: “Eu venho das dunas brancas / Da onde eu queria ficar”, e segue, no restante da letra, um dos mais belos hinos a esta cidade, um hino de amor, que descreve Fortaleza como quem fala do corpo da amada. Esse tema está entrecruzado com o outro, repito, como mostra logo o primeiro verso de Longarinas: “Faz muito tempo que eu não vejo” etc.

Esses temas modernos, nos quais se expressa uma experiência social, ganham lugar ainda num outro aspecto, sobre o qual, por falta de competência, tenho mais dificuldades para falar: o de seus gêneros musicais. Em suas canções, os diversos gêneros tradicionais ganham atualidade dialética, fazendo-se contemporâneos dos gêneros mais recentes. Gilmar Carvalho escreveu que Ednardo “tenta, ousa e pontilha seu trabalho com influências várias, do rock ao maracatu, do frevo à lambada”. Penso no maracatu de Pavão Mysteriozo (1974): tão intensamente tradicional, até mesmo ancestral, disse-me Henrique Dídimo, quanto intensamente moderno, capaz de ser acolhido sem restrição no mercado fonográfico nacional (portanto, numa sensibilidade de massas naquele momento já urbana). Ednardo faz-se moderno carregado pelas tradições literárias e musicais existentes no Ceará, elas mesmas estuário de muitas tradições culturais de outros cantos e épocas do mundo (africanas, árabes, judaicas, cristãs barrocas etc.); e por isso torna-se facilmente reconhecível em seu alcance, digamos, “universal”.

Se olhadas com cuidado, suas músicas dão expressão a não poucas questões fundamentais a uma época, a época de nossa transição conservadora à modernidade; porém, lembrando-nos o tempo todo, seja nas letras, seja nos arranjos dialéticos dos gêneros musicais de suas composições, de que nem sempre fomos assim.


Publicado em Segunda Opinião, em 03-07-2022

sábado, 6 de maio de 2023

Os surdos dialogam sim, em línguas de sinais


Num artigo de opinião publicado no O Povo há algumas semanas sobre a discussão nacional acerca do Novo Ensino Médio, a Profª Sofia Lerche usou, para exprimir sua opinião de que as partes presente ao debate não prestavam atenção no que as demais diziam, o termo “diálogo de surdos”. No sentido dado a esse termo naquele artigo, eu teria escrito a oração acima deste modo: ‘as diversas partes não estavam ouvindo o que as demais diziam’. 
De onde vem essa identificação da condição surda à impossibilidade de entender as coisas e compreender os outros? Minha hipótese é que vem de uma experiência histórica bem recente e bem próxima de nós. No último século e meio, as instituições educativas de cegos e surdos, criadas pelo iluminismo do século XVIII, foram substituídas por instituições reabilitadoras, de natureza clínica. 

O maior dano, sem dúvida, sofreram-no as crianças surdas, impedidas de falar sua língua de aquisição espontânea, que são as línguas de sinais. Suas não-mais-escolas deixaram de ensinar conteúdos para treiná-las à fala. Tornaram-se “escolas especiais”; em consequência, nasceu um poderoso dispositivo institucional chamado Educação Especial. Se o Iluminismo liberal do XVIII e início do XIX mostrou que, com o braile para a escrita e as línguas de sinais para a comunicação e o desenvolvimento do pensamento, era possível oferecer educação e aprendizado aos cegos e aos surdos, a Educação Especial, nascida no final do XIX, resolveu tratá-los como defeituosos carentes de reabilitação. 

A Profª Sofia Lerche, certamente, se perguntada, não teria a menor dúvida sobre a capacidade de compreensão e entendimento dos surdos. Seu erro grosseiro apenas deixa expressa, à costas da sua consciência, uma representação social, institucionalmente forte, sobre os surdos e as línguas de sinais. Representação que até hoje é mantida pela Educação Especial, pela bilionária indústria (de aparelhos auditivos, aparelhos e utensílios de exames audiométricos etc.) e pelas não menos ricas instituições médico-terapêuticas.

Esse artigo foi publicado em O Povo no dia 19/04/2023.

quarta-feira, 3 de maio de 2023

O que é mesmo Educação Especial de Surdos?


Sede do Instituto Nacional de Educação de Surdos desde o final do século XIX.
Tem alguma coisa a ver com instituições de confinamento?


A Educação Especial de Surdos nasceu na Europa após o Congresso de Milão (1880). No Brasil, nasceu em 1911. Num caso e noutro, como em todo lugar, surgiu quando foi proibido o uso da Língua de Sinais naquelas escolas cujo modelo foi tomado da Instituição Nacional de Surdos Mudos de Paris (Institution Nationale de Sourds-Muets), fundada em 1755 pelo Abade de l’Épée. Ao contrário do que se costuma lê nos atuais manuais de Educação Especial, essa Instituição se diferenciava radicalmente do Hospital Geral, lugar e instrumento de internamento e reclusão de doentes mentais e pessoas com deficiência. 

A escola fundada por de l’Épée ensinava a crianças surdas Francês escrito, Matemática e outros saberes, com base na Língua de Sinais que ele conheceu e aprendeu com os Surdos pobres de Paris, em sua maior parte filhos ou descendentes de camponeses expulsos de suas terras para as cidades durante esse largo período de acumulação primitiva do capital, que antecede e prepara a revolução industrial e a hegemonia econômica das relações sociais capitalistas. O Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), fundado no Brasil como Imperial Instituto de Educação de Surdos Mudos, em 1857, no Rio de Janeiro, também desenvolvia uma proposta educacional institucionalizada com base na Língua de Sinais brasileira e na Língua Portuguesa escrita; e foi, igualmente, fundado num período de transição da economia cafeeira para o trabalho assalariado. 

A partir da proibição da Língua de Sinais nas escolas, em todo o mundo as Escolas de Surdos se tornaram Escolas Especiais oralizadoras (no Brasil, o INES foi a primeira a ser transformada nisso), nas quais a REABILITAÇÃO substituiu o ENSINO. E assim a Educação Especial de Surdos surge como a especialidade voltada para o desenvolvimento desse tipo de não-Educação que transformou as escolas em Centros de Reabilitação orofônica. 

A Educação Especial é, portanto, historicamente inimiga da Língua de Sinais, do Bilinguismo Surdo e da Cultura Surda. A Educação Especial se constituiu em e se mostrou um dispositivo de dominação e controle dos Surdos pelo Estado, pela Medicina, pela Pedagogia e pelas empresas de aparelhos auditivos, sob o argumento da universalização dos hábitos e das relações (chame-se essa universalização de reabilitação, depois integração ou, agora, inclusão). 

A chamada Educação Especial na Perspectiva Inclusiva é continuidade direta da velha Educação Especial inimiga da Língua de Sinais como língua-base do processo educativo. Como diz mais ou menos Foucault, o controle sobre os sujeitos sai agora de instituições específicas para: o "meio". A atual lógica de disciplinamento e controle – que o filósofo francês chama de segurança – não é tópica. Para o poder sobre os Surdos, isso significa: tirá-los das Escolas Especiais oralizadoras, onde se aglutinavam e indisciplinadamente falavam em Língua de Sinais, para as novas escolas lusófonas "inclusivas", onde devem estar separados uns dos outros, em posição de isolamento linguístico e subalternização comportamental. O instrumento para isso é uma admissão astuciosa da Libras. Conquista de 90 anos de lutas dos Surdos, a legalização da Libras em 2002 foi apropriada e desviada para fins "ressocializadores", "recuperadores" pela Educação Especial, que se diz agora Inclusiva. 

Também a Escola lusófona inclusiva é a continuidade da antiga Escola Especial oralizadora. Nesses dois tipos de escola, nascidas ambas da Educação Especial contra escolas fundadas na Língua de Sinais, a Língua Portuguesa é a língua de ensino e convivência. É a língua fim. A Escola lusófona inclusiva é uma escola em que o Surdo é aquele que "não ouve", e que, por isso, precisa de apoio do intérprete como nós outros precisamos, por exemplo, de rampas. Como se língua e estrutura arquitetônica tivessem o mesmo estatuto na conformação e no desenvolvimento do pensamento!

A ideia da Educação Especial é que aos poucos a Libras não seja necessária. Crianças oralizadas no consultório, protetizadas pelas grandes empresas e ressocializadas pela escola lusófona não precisarão de Libras no futuro, assim planejam empresas, clínicas e consultorias pedagógicas. Ou ainda, a Libras deixará de ser uma língua real, viva, de comunidades culturais diferentes. Foi assim que os jesuítas fizeram com o Tupi. Aprenderam a língua, deram-lhe escrita e gramática, construíram escolas com base nela. Colocaram as crianças indígenas em antagonismo com sua cultura comunitária, os filhos contra os pais, a nova fé cristã contra a tradição cultural da aldeia. No Brasil, a colonização foi astuciosa: ela procurou integrar índios e negros, não dizimar nem segregar. O resultado é que o Tupi morreu e os índios foram trabalhar nas cozinhas dos brancos.

Todo o atual discurso da "inclusão" é jesuítico: nos métodos e nos fins. Com uma pequena diferença: os jesuítas sabiam o Tupi. Os da Educação Especial não sabem Libras, não conhecem métodos de educação de Surdos, nada! São por isso muito mais violentos no seu exercício do poder conquistado com o discurso inclusivo que seus congêneres colonizadores dos primeiros séculos. Até mesmo porque eles querem fazer em poucos anos o que aqueles fizeram em alguns séculos.

Por isso, foi tão importante a saída da Educação de Surdos da Educação Especial para uma modalidade específica na LDB: Educação Bilíngue de Surdos! É o 13 de maio de 1888 dos Surdos. E o que vai acontecer depois daqui? O que vai acontecer é agora objeto de disputa. Contra a abolição, os senhores de escravos deram o golpe de 15 de novembro de 1889 e mantiveram seu poder sobre a terra. A Educação Especial lutou contra a aprovação da Educação Bilíngue de Surdos na LDB. E hoje luta para ela não dar em nada. Querem manter o monopólio latifundiário sobre os discursos, os conceitos e as verbas, bem como o poder sobre os corpos, a língua e a Educação dos Surdos. 

Nossa luta – de Surdos, pais, professores e intérpretes – é para impedir isso.

A primeira versão deste artigo foi publicada no blog Segunda Opinião, em 16/04/2023.


Tirem seus filhos surdos das escolas de ouvintes!

Foto: O Globo Esse título parece uma palavra de ordem, mas não é. É um grito angustiado.  Todos os anos as três escolas que em Fortaleza ofe...