sábado, 6 de maio de 2023

Os surdos dialogam sim, em línguas de sinais


Num artigo de opinião publicado no O Povo há algumas semanas sobre a discussão nacional acerca do Novo Ensino Médio, a Profª Sofia Lerche usou, para exprimir sua opinião de que as partes presente ao debate não prestavam atenção no que as demais diziam, o termo “diálogo de surdos”. No sentido dado a esse termo naquele artigo, eu teria escrito a oração acima deste modo: ‘as diversas partes não estavam ouvindo o que as demais diziam’. 
De onde vem essa identificação da condição surda à impossibilidade de entender as coisas e compreender os outros? Minha hipótese é que vem de uma experiência histórica bem recente e bem próxima de nós. No último século e meio, as instituições educativas de cegos e surdos, criadas pelo iluminismo do século XVIII, foram substituídas por instituições reabilitadoras, de natureza clínica. 

O maior dano, sem dúvida, sofreram-no as crianças surdas, impedidas de falar sua língua de aquisição espontânea, que são as línguas de sinais. Suas não-mais-escolas deixaram de ensinar conteúdos para treiná-las à fala. Tornaram-se “escolas especiais”; em consequência, nasceu um poderoso dispositivo institucional chamado Educação Especial. Se o Iluminismo liberal do XVIII e início do XIX mostrou que, com o braile para a escrita e as línguas de sinais para a comunicação e o desenvolvimento do pensamento, era possível oferecer educação e aprendizado aos cegos e aos surdos, a Educação Especial, nascida no final do XIX, resolveu tratá-los como defeituosos carentes de reabilitação. 

A Profª Sofia Lerche, certamente, se perguntada, não teria a menor dúvida sobre a capacidade de compreensão e entendimento dos surdos. Seu erro grosseiro apenas deixa expressa, à costas da sua consciência, uma representação social, institucionalmente forte, sobre os surdos e as línguas de sinais. Representação que até hoje é mantida pela Educação Especial, pela bilionária indústria (de aparelhos auditivos, aparelhos e utensílios de exames audiométricos etc.) e pelas não menos ricas instituições médico-terapêuticas.

Esse artigo foi publicado em O Povo no dia 19/04/2023.

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